Pensamento Crítico no contexto educacional

O pensamento crítico, científico e criativo é a segunda das dez competências gerais da nova BNCC (Base Nacional Comum Curricular), que determina os direitos de aprendizagem de todo aluno cursando a Educação Básica no Brasil (que compreende a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio).

Para a construção da BNCC, o MEC considerou como competência a mobilização de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores para resolver demandas da vida cotidiana, do exercício da cidadania e do mundo do trabalho. Conforme entendido pelo MEC, competência é aquilo que permite aos estudantes desenvolverem de forma plena cada uma das habilidades e aprendizagens essenciais estipuladas pela Base – elas não devem ser interpretadas como um componente curricular, mas devem ser abordadas de maneira transdisciplinar e estar presentes em todas as áreas de conhecimento e etapas da educação (Brasil, 2018).

Tendo em vista a definição de pensamento crítico, vale notar que a própria competência relativa ao mesmo se inter-relaciona com as demais, notadamente em relação à utilização do conhecimento para explicar e realidade (competência 1), à tomada de decisões e exercício do diálogo (competências 10 e 9), e principalmente em relação à utilização da linguagem lógico-matemática e científica (competência 4), dentre outras. De fato, todas as competências relacionam-se entre si, e combinam aspectos cognitivos (relativos à aquisição e domínio de conhecimentos, como raciocínio e memória), socioemocionais (relativas às capacidades individuais que se manifestam no modo de pensar, sentir e agir) e híbridas, sendo o pensamento crítico transversal a todas. Vejamos as 10 competências gerais da BNCC:


1. Conhecimento: Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade, continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva.

2. Pensamento Científico, Crítico e Criativo: Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação e a criatividade, para investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e resolver problemas e criar soluções (inclusive tecnológicas) com base nos conhecimentos das diferentes áreas.

3. Repertório Cultural: Valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais, e também participar de práticas diversificadas da produção artístico-cultural.

4. Comunicação: Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-motora, como Libras, e escrita), corporal, visual, sonora e digital –, bem como conhecimentos das linguagens artística, matemática e científica, para se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e produzir sentidos que levem ao entendimento mútuo.

5. Cultura Digital: Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva.

6. Trabalho e Projeto de Vida: Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as relações próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade.

7. Argumentação: Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis, para formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que respeitem e promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental e o consumo responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta.

8. Autoconhecimento e Autocuidado: Conhecer-se, apreciar-se e cuidar de sua saúde física e emocional, compreendendo-se na diversidade humana e reconhecendo suas emoções e as dos outros, com autocrítica e capacidade para lidar com elas.

9. Empatia e Cooperação: Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza.

10. Responsabilidade e Cidadania: Agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários.
Tabela 1. Competências gerais da Educação Básica

Pensamento crítico e criatividade, por serem exemplos de competências híbridas, merecem ser analisadas e discutidas com especial atenção graças à sua complexidade e relevância no mundo contemporâneo, pois são fundamentais para que as pessoas possam analisar, filtrar, selecionar e usar informações (Instituto Ayrton Senna, 2020).

De fato, as 10 competências avançadas pela BNCC estão alinhadas com esforços internacionais em promover educação formal que contribua com a criatividade e o pensamento crítico de estudantes. Entretanto, conforme avalia o projeto liderado pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) apresentado na conferência “Habilidades de Criatividade e Pensamento Crítico na Escola: Avançando a Agenda”, para que o referido objetivo seja alcançado é preciso promover a criatividade e o pensamento crítico de forma mais sistemática e efetiva através do desenvolvimento de estratégias e ferramentas que auxiliem professores, estudantes e formuladores de políticas públicas a articularem tais competências de forma mais visível e tangível, especialmente como parte do currículo (OCDE, 2019 ).

Fomentando Habilidades de Pensamento Crítico na sala de aula

Segundo Hitchcock (2020), o pensar criticamente enquanto um objetivo educacional tem como base o respeito à autonomia dos estudantes e na preparação dos mesmos para o sucesso na vida e para a cidadania democrática. Embora os professores e os formuladores de políticas educacionais considerem o pensamento crítico como um importante objetivo de aprendizado, para que o efetivo desenvolvimento destas habilidades dentro da sala de aula seja satisfatório ainda é preciso uma maior preparação dos educadores, bem como é necessário o desenvolvimento de materiais didáticos específicos. Entretanto, conforme argumenta Vincent-Lancrin et. al, (2019), ainda não está claro para muitos o que significa desenvolver tais habilidades no ambiente escolar.

Para tornar o desenvolvimento de tais habilidades algo mais visível e tangível aos profissionais, a OCDE trabalhou com redes de escolas e professores em 11 países testando um conjunto de recursos pedagógicos que exemplificam o que significa ensinar, aprender e progredir na criatividade e no pensamento crítico no ensino fundamental e ensino médio. Um portfólio de rubricas e exemplos de planos de aula foi apresentado, e sua eficácia foi monitorada por meio de instrumentos também desenvolvidos pelo estudo. Ademais, os efeitos da intervenção prática foram relatados pelos coordenadores das distintas equipes participantes, que complementaram o estudo fornecendo diferentes ideias baseadas nos resultados de tais intervenções (OCDE 2019).

Segundo o referido relatório da OCDE, os processos cognitivos (ou sub-habilidades) envolvidos no pensamento crítico (definido sucintamente como o questionamento e avaliação de ideias e soluções) são os seguintes: investigação (inquiring), imaginação (imagining),ação (doing) e reflexão (reflecting).

Investigação: Determinar e compreender o problema em questão, incluindo seus limites, questionando por que o problema é colocado de uma determinada maneira e examinando se as soluções ou declarações associadas podem ser baseadas em fatos ou raciocínios imprecisos e identificar o lacunas de conhecimento.

Rubrica para a sala de aula: Identificar e questionar opiniões e ideias ou práticas geralmente aceitas.

Imaginação: Elaboração mental de uma ideia, identificando e revisando alternativas, visões de mundo, teorias e suposições concorrentes, de modo a considerar o problema de múltiplas perspectivas.

Rubrica para a sala de aula: Considerar diferentes perspectivas sobre um problema baseado em diferentes opiniões.

Ação: O produto do pensamento crítico é a colocação ou solução de um problema (ou julgamento sobre a posição ou solução dos outros), argumentando e justificando racionalmente a sua posição, de acordo com algumas perspectivas existentes e formas de raciocínio socialmente reconhecidas, ou possivelmente algumas novas.

Rubrica para a sala de aula: Explicar os pontos fortes e limitações de um produto, de uma solução ou de uma teoria, justificando por meio de critérios lógicos, éticos ou estéticos.

Reflexão: Auto-reflexão sobre possíveis limitações e incertezas e, fomentando a abertura a outras ideias concorrentes. Embora não seja necessário abraçar o ceticismo e suspender o julgamento em todos os casos, esta pode ser a posição mais apropriada.

Rubrica para a sala de aula: Refletir sobre possíveis alternativas à solução ou posição escolhida.

Além de permitir um melhor entendimento sobre as habilidades a serem desenvolvidas nos estudantes, as rubricas nos permitem também avaliar o progresso dos alunos, bem como podem servir como base para o desenvolvimento de novas atividades. De fato, baseados no referido estudo e em tais rubricas, desenvolvemos planos de aula para introduzir aos alunos do ensino básico temas referentes à Inteligência Artificial (veja o material do projeto ideIA+). Os critérios seguidos, também sugeridos pela OCDE, são os seguintes.


Uma atividade pedagógica alinhada com a Rubrica da OCDE sobre criatividade e pensamento crítico deve:


Comentários

1. Criar a necessidade/interesse dos alunos pelo aprendizado e pelas idéias, integrar as perspectivas de outras disciplinas

• Geralmente implica começar com uma grande questão ou alguma atividade incomum.
• Pode implicar em voltar a essas perguntas várias vezes durante a atividade.

2. Ser desafiadora

• Muitas vezes, a falta de envolvimento do aluno vem dos objetivos da aprendizagem ou de atividades que carecem de desafio. As tarefas devem ser desafiador o suficiente, embora não muito difícil, tendo em vista o nível dos alunos.

3. Desenvolver conhecimento técnico claro em um ou mais domínios

• A atividade deve incluir a aquisição e prática de ambos, conteúdo e conhecimento dos processos (conhecimento técnico).

4. Incluir o desenvolvimento de um produto

• Um produto (um artigo, uma apresentação, uma performance, um modelo, etc.) torna a aprendizagem visível e tangível.
• Professores e alunos também devem estar atentos e possivelmente documentar o processo de aprendizagem.

5. Peça aos alunos que co-projetem parte do produto / solução ou problema

• Em princípio, os produtos não devem ser todos iguais.

6. Lidar com problemas que podem ser examinados de diferentes perspectivas

• Os problemas devem ter várias soluções possíveis.
• Diversas técnicas podem ser utilizadas para resolvê-los

7. Deixe espaço para o inesperado

• Professores e alunos não precisam saber todas as respostas.
• As técnicas / soluções mais comumente adotadas podem ser ensinadas e aprendidas, porém deve haver espaço para explorar ou discutir respostas inesperadas.

8. Incluir espaço e tempo para os alunos refletirem e darem / receberem feedback

Tabela 2. Critérios para a criação de atividades que fomentem a criatividade ou habilidades de pensamento crítico (OCDE, 2019. pág 25 – livre tradução).

Considerações finais

Em suma, podemos afirmar que o pensamento crítico é cada vez mais referido como uma competência chave e habilidade do século XXI. Por ser um processo que envolve fazer perguntas apropriadas, reunir e classificar criativamente por meio de informações relevantes, relacionar novas informações ao conhecimento existente, reexaminar crenças e suposições, raciocinar logicamente e tirar conclusões confiáveis​, o pensamento crítico está intimamente relacionado com competências como a curiosidade, a criatividade e o desenvolvimento de uma atitude questionadora perante o mundo (UNESCO 2021).

Referências

IdeIA+ (2021). Linguagem, Lógica e Raciocínio Crítico. Disponível em: <https://mov8.com.br/ideia_mais/logica/>

Instituto Ayrton Senna (2020). Criatividade e Pensamento Crítico. Disponível em: <https://institutoayrtonsenna.org.br/pt-br/guia-criatividade-e-pensamento-critico.html>

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018.

OCDE 2019 “Creativity and Critical Thinking Skills in School: Moving a shared agenda forward”

VINCENT-LANCRIN, S. et al. Fostering Students’ Creativity and Critical Thinking. Paris: OECD Publishing, 2019. 350 p. Disponível em: <https://www.oecd-ilibrary. org/content/publication/62212c37-en>.

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